
Londres; Oxford Street; quarta-feira; 10:54 da manhã;
- Mas por que - Rod enfatizou dramaticamente. – repito: por que elas dopariam o mica pra terminar com seu namoro?
Thur olhou hipnotizado para o tapete da sala, em sinal claro que estava imerso em pensamentos. Lua, segurando sua mão, apenas encarou o garoto, como se ele pudesse se lembrar de algo que ela mesma não sabia...
...e estava certa.
- Eu sei por quê. – Thur disse vagaroso, erguendo a curiosidade dos companheiros. – mica eSophia iriam à mansão naquela noite. Assim como Chay e Mel. Iv pretendia oferecer um jantar aos amigos...
- Que por motivos óbvios – Luinha interrompeu, seguindo a linha de raciocínio. –, não puderam comparecer. Sophia e mica por terem terminado de uma forma tão... Fatídica. EChay, claro, porque Mel fora atropelada naquele mesmo dia.
Eles ficaram um tempo em silêncio, observando um o rosto do outro.
O mistério em que se encontravam chegava até a ser... Literário. O que não era literário, de fato, era o medo que tinham. Era o gelar de suas mãos, o apertar de seus estômagos toda vez que pareciam estar perto de uma conclusão.
Rod respirou fundo, sentindo mais frio do que havia sentindo ao longo de toda aquela manhã. Com o olhar baixo, disse o que todos ali pensavam:
- Seja lá que tiver sido... não agiu sozinho.
Na segunda-feira da semana seguinte, Rod sentou-se a mesa de café da manhã inquieto. Até sua gravata vermelha do colégio, usualmente frouxa, agora estava apertada de uma forma estranha. A blusa social branca estava parte para dentro e parte para fora da calça de pregas.
Borbulhou com a boca seu café com leite, observando atentamente as horas em seu relógio de pulso. Depois de tomar uns dois goles e dar uma mordida cheia no pão doce, respirou fundo: o fato da cadeira a seu lado estar vazia era um excelente sinal.
Apressou-se em terminar o lanche, e assim que o fez, subiu as escadas. Caminhou a passos de formiga no corredor, dando o máximo de si para não pisar em nenhuma tábua solta ou nada que pudesse fazer o menor barulho.
Assim que parou na frente do quarto da prima, abriu a porta devagar, que, apenas para aborrecê-lo, rangeu baixo. Rod murmurou alguns palavrões ao ouvir o barulho feito pela guarnição, mas, para sua imensa felicidade e alívio, Lua não acordou.
Ela ainda estava lá, enrolada no edredom verde. Sua respiração regular e baixa aqueceu o interior do primo. Rodrigo sorriu, voltando até a escada com cautela, e assim que desceu o último degrau, sentiu-se livre para ir à escola: Lua estava dormindo e não o seguiria.
Rod se lembrava de, juntamente com Thur, ter pedido a ela encarecidamente para que não frequentasse mais a Highgate. Sentiu que, no fundo, a prima estava relutante com relação àquela ideia, mas na situação inconsciente em que se encontrava, não poderia reivindicar seu direito de ir à aula.
Rod girou a chave nos dedos, alargando seu sorriso e sentindo-se mais confiante. Primeiro porque tinha combinado de buscar mica em casa, para que pudessem tratar de um assunto sério durante o caminho. Segundo por que, até onde sabia, a prima estaria a salvo.
Assim que ouviu o motor do Civic roncar, Lua abriu seus olhos. Sentou-se na cama espiando o quarto, certificando-se de que nem o primo e nem o tio estariam vigiando-a.
Jogou o edredom pra longe, deixando a mostra o uniforme que vestia: uma blusa social branca afinada na cintura e uma saia vermelha plissada. Colocou rapidamente os tênis brancos que estavam do lado contrário a porta e levantou-se do colchão, abaixando-se para alcançar a gravata vermelha que tinha escondido embaixo da cama.
Assim que a organizou no pescoço, postou-se em frente ao espelho: enquanto Rod se arrumava, ela já tinha se encarregado de sua higiene matinal e quando ele fora tomar café,Luinha se ocupou de passar a maquiagem leve que usava normalmente. Tudo o que teve que fazer no fim das contas, foi fingir que estava dormindo quando ouviu passos na escada.
Se ele não queria levá-la para a Highgate, tudo bem. Ela tinha pés. Sabia como chegar lá sozinha.
Borrifou duas vezes o perfume e desceu as escadas, sem o mesmo cuidado que o primo tivera para não acordá-la. Sua mochila, escondida atrás do sofá da sala, já estava cheia com o material que precisaria para seu primeiro dia no segundo semestre.
Abriu a porta da casa e se colocou para fora, trancando-a e deixando transparecer seu sorriso esperto.
Afinal de contas, não era pra isso que estava na Inglaterra. Não estava lá para passar seus dias letivos em casa. Tudo bem que o primo e Thur estavam certos em um ponto: tinha umassassino a solta. Mas seu relacionamento com Aguiar, além de não ser oficial, não era de conhecimento de grande parte da escola. E, pelo que sabia, Brittany não tinha conhecimento de que Luinha soubesse de algo que pudesse incriminá-la. Na cabeça de Lua, ela estava praticamente a salvo.
Mas sua vontade de continuar frequentando as aulas inglesas não era a única motivação para fazê-la caminhar até a Highgate High School naquela manhã. Não. Algo mais importante do que isso poderia acontecer:
Sophia e mica estavam prestes a fazerem as pazes.
Descoberto o motivo pelo qual mica tinha sido encontrado com Kimberly na noite do assassinato, não havia mais nada que Sop pudesse contestar. Micael Borges não era um traidor. Nunca a havia traído. E isso seria provado pelo menino assim que Rod lhe contasse sobre suas conclusões, a caminho da escola.
Lua estava se coçando de curiosidade e euforia pelos amigos. Queria saber e ver, a todo custo, se eles de fato iriam voltar a ficar juntos.
A menina sorriu, imaginando o espanto de mica ao saber o que foi feito com ela e a alegria e surpresa de Sop ao saber que não foi traída. Talvez, era a esperança de Lua, eles voltassem a ficar juntos para dar um lar à pequena criança que estava a caminho.
Já tinha andado dois quarteirões quando parou para perceber a enorme sombra que a seguia. Acelerou os passos, aguçando os ouvidos para distinguir melhor o baixo barulho de motor de carro próximo a ela. Ao deduzir que não era impressão, parou de caminhar e virou seus olhos austeros para trás, fixando-se exatamente na figura que esperava ver:
O Audi preto.
O carro, que estava apenas a alguns metros atrás da garota, continuou a andar até que estivesse ao seu lado, onde estacionou. Quando assim foi, Thur abaixou a janela do lado do motorista.
- O que, raios, você está fazendo, Aguiar? – perguntou ríspida.
Arthur apoiou os pulsos no volante e olhou-a incisivamente.
- Te seguindo. – assim que viu Luinha colocar as duas mãos na cintura, como se pedisse uma explicação, ele prosseguiu: - Eu sabia que você desobedeceria.
- Olha só – ela respirou fundo, fechando os olhos durante alguns momentos como se para adquirir paciência. -, não fazia parte do meu sonho passar os dias letivos em casa. – Thur levantou uma de suas sobrancelhas ao ouvi-la dizer isso. – Além do mais, eu quero ver meus amigos e... o mica! O mica e a Sop provavelmente vão fazer as pazes hoje e eu não acredito que você e o Rod acham mais “recomendável” que eu fique em casa!
Arthur olhou-a da cabeça aos pés, ponderando por alguns segundos. Depois suspirou derrotado e disse:
- Você nunca chegará a tempo se for a pé.
Lua, depois de alguns milésimos de segundo em estado de choque, abriu um sorriso sincero.
- Mas – Thur levantou um dedo. – com uma condição...
Londres; Highgate High School; segunda-feira; 7:45 da manhã; [música: All time low]
Sophia analisava algumas anotações do semestre anterior sentada em sua cadeira. Faltavam quinze minutos pras aulas começarem, de forma que sua sala de aula estava praticamente vazia: os estudantes preferiam passar o tempo no pátio.
Ela sabia que, apesar de ter disfarçado muito bem a gravidez durante os primeiros meses, a partir de agora seria impossível negar: ela tinha engordado muito em pouco tempo.
Antes, como Chay, as pessoas pensavam que ela estava comendo mais devido a uma depressão pelo término do namoro com Ethan. Mas uma vez que as pessoas, que Sophia pensava não serem tão estúpidas, começassem a perceber que sua barriga crescia pra frente e não para os lados, sua maternidade seria inegável. A difícil questão a ser declarada era apenas uma: quem era o pai.
Deu um longo suspiro, passando a mão por seus cabelos e fechando os olhos, como se para meditar um pouco mais sobre a própria vida. Assim que o fez, passou a mão pelo abdômen, tentando dessa forma acariciar seu bebê.
De repente seu alheamento foi interrompido pelo baque de alguma pasta batendo bruscamente sobre sua carteira. Assustada, Sop levantou o olhar até que ele encontrasse os olhos difusos de mica.
- Borges? – pareceu surpresa. – O que está fazendo aqui?
mica, com o olhar ultrajado e magoado, apontou para as folhas que tinha jogado na mesa da garota.
- Aí está a prova que você precisava.
- Que pro...
- A prova – interrompeu mica. – de que eu estava falando a verdade. De que eu te amava. A prova de que eu não te traí.
- Borges, - Sophia pegou as páginas, olhando-as com confusão e perguntando afobada. – mas do que é que você está falando?
- Brittany e Kimberly – Micael falou com desgosto. – em agosto do ano passado compraram uma droga chamada GHB. GHB é popularmente conhecido como “gotas de amor”, como você pode muito bem ver aí na pesquisa do Rod.
Sophia, com as sobrancelhas juntas, estava prestes a perguntar o que Rod tinha a ver quando o menino prosseguiu:
- É uma droga do estupro. A vítima fica dopada o bastante pra ficar inofensiva. Algumas vezes até causa inconsciência, dependendo da pessoa e da dosagem. – mica tirou as folhas que estavam na mão de Sop, selecionando uma em particular. – Esse documento foi roubado de um traficante. Está vendo aqui o nome da compradora? Kimberly White?
Sophia leu, sentindo como se toda a umidade da garganta tivesse sido transferida para os olhos. Seu coração latejava, os ruídos já estavam ficando abafados e sua voz vacilante.
- Isso quer dizer... – disse ela com esforço.
- Que eu nunca te traí, Sop.
Sophia engasgou, apertando os olhos com as mãos e permitindo-se chorar o mais alto que conseguia. As únicas pessoas na sala, que por sorte estavam usando fones de ouvido, apenas olharam para ela sem dar muita atenção. mica segurou seu ombro, acariciando-o para acalmá-la.
- Vai ficar tudo bem. – ele disse de forma carinhosa.
- Eu... – Sophia olhou o menino, que a admirava com um sorriso simples. – Eu não acredito que isso possa ter acontecido. Eu nunca pensei que duas pessoas pudessem ser tão cruéis a esse ponto... O que elas fizeram com você... O que elas fizeram com nós! mica, eu não posso acreditar que fui tão estúpida em acreditar que você pudesse ter me traído com a Kimberly...
- Tudo bem, Sop. As evidências eram um tanto incontestáveis... Até eu já tinha começado a duvidar de mim mesmo.
- Como eu pude duvidar de você? – ela parecia incrédula. – De todas as pessoas no mundo, como eu pude duvidar de você, mica? Você era tudo pra mim... A pessoa mais – ela tentou gesticular – engraçada, doce e leal que eu já conheci em toda a minha vida.
Micael sorriu sincero com o elogio, sentindo o coração disparado se acalentar a cada palavra de Sop.
Sentados na cadeira perto da porta da sala, estavam Rod, Chay e Mel, admirando-os com sorrisos bobos e olhos lustrosos. Melzinha sentia uma expectativa crescente em seu peito, que foi desviada quando ouviu passos altos no corredor, e quando olhou na direção do mesmo, viu duas pessoas escoradas no batente da porta, com o peito arfante.
Rod, ao ver Thur e Luinha, levantou alto uma de suas sobrancelhas, mas não atreveu fazer nenhum barulho que pudesse interromper o momento de Sop e mica. Apenas observou a prima de maneira desconfiada, ainda mais quando Aguiar enlaçou seus dedos nos dela.
- Levanta, Sop. – mica disse, voltando a atrair a atenção daqueles que estavam dispersos pela chegada do outro casal.
Sophia obedeceu, ainda secando seus olhos com a manga da blusa de frio roxa. Micael virou o queixo da menina em direção ao seu, mas quando aproximou seus lábios dos dela, Sop virou o rosto repentinamente.
Os amigos levantaram as sobrancelhas, ainda sem fazer nenhum pio.
- Não posso fazer isso com você, mica. – ela insistiu. – Eu não posso pedir para que você assuma esse bebê sendo que eu nem...
- Shh... – ele colocou o dedo indicador nos lábios da garota, impedindo-a de continuar a fala. – Eu não estou aqui pedindo para ser pai, se é o que você está pensando. Se não é seu desejo, eu não vou insistir para dar meu sobrenome a essa criança. Eu só estou pedindo para ser o namorado da mãe dela. Acho que o neném não vê nenhum problema com isso... A mamãe vê? – olhou-a inocentemente, abrindo um sorriso tão doce que Sop juraria ter visto açúcar grudado em seus lábios.
Sem responder, Sophia abraçou-o rapidamente pela nuca, juntando seus lábios aos do rapaz depois de quase cinco meses e arrancado aplausos acalorados dos amigos.
Apesar de já terem se beijado várias vezes, para Sop e mica sempre parecia a primeira vez. Os mesmos calafrios, as mesmas borboletas no estômago, os mesmos batimentos disparados. Sophia sorriu enquanto sentia mica puxá-la ainda mais para perto pela cintura. Lembrou-se do principal motivo pelo qual gostava do menino: sempre que estavam juntos, ela se sentia de volta a infância.
Algo em torno de Micael, talvez seu sorriso maroto ou sua aura sempre brincalhona, lembrava Sophia de suas incontáveis tardes no parque de diversão quando menina. Era uma sensação tão revigorante que ela sentia o sangue mais quente percorrer por suas correntes sanguíneas. Sentia-se tão realizada que se imaginou como uma garrafa de refrigerante quando sacudida e aberta, que derrama seu conteúdo para todos os lados. E Sop sim estava derramando seu conteúdo naquele beijo. Todo seu carinho, toda sua saudade, toda sua paixão. Tudo ali, acariciando os cabelos do garoto.
E ali estava ela novamente, onde sempre sonhou estar. De onde nunca deveria ter saído: nos braços de seu Borges.
Quando se afastaram, Sophia pode sussurrar a ele, enquanto ofegava, o que sempre dizia amica em seus sonhos mais secretos:
- Eu te amo, Borges.
Micael encostou sua testa na dela, sorrindo largo e deixando uma pequena risada escapar. Com suas mãos, trêmulas e geladas, acariciou o rosto de Sop, deixando que, assim como a menina, suas lágrimas corressem deliberadas.
- E eu sempre, Sop, sempre te amei. – deu um selinho na garota. – Eu te amo.
Mel soluçou do lugar de onde estava sentada, ainda aplaudindo desesperadamente, assim como Lua. Rod, Thur e Chay apenas observavam com sorrisos trouxas na cara.
Assim que se passou um tempo desde que Sop e mica se envolveram em um abraço, Rod virou seu rosto para o casal escorado no batente da porta, com a expressão totalmente alterada. De alegria passou subitamente para a suspeita.
- O que você está fazendo aqui? – falou para a prima, que de imediato percebeu que ele não estava muito feliz ao vê-la.
Antes que Lua pudesse desenvolver a frase enrolada que já tinha iniciado com um “Er...”,Thur tomou a frente:
- Ela está aqui submetida a uma condição. – Rodrigo desviou seus olhos para ele de forma interrogativa. – Ela concordou que só viria para a aula se eu pudesse estar nos mesmos lugares que ela durante todo o tempo. Como uma espécie de guarda-costas. – Rod fez uma cara de deboche, como se soubesse que Luinha poderia burlar algo assim em um piscar de olhos. Ao ver isso, Thur continuou com seu plano: - Isso significa, deixei bem claro, nada mais de ir ao banheiro aqui na Highgate.
- Ah, ainda bem. – disse Rod. – Ela poderia facilmente escapar pela janela do vestiário...
Lua rolou os olhos.
- Posso não ser a pessoa mais obediente do mundo, mas não sou mentirosa. Eu disse que não iria fugir, me esconder ou ludibriar esse acordo de qualquer outra forma. Portanto, não vou. – parecia aborrecida. – Mas admito, - transformou seu bico em um sorriso apalermado, olhando Sop e mica se beijando novamente. – que essa condição parece que vai vale à pena.
Thur olhou dos dois que se beijavam no centro da sala para Luinha, que os admirava com os olhos deslumbrados.
- Por que vocês, meninas, ficam tão maravilhadas com essas coisas? – quis saber.
- Por que vocês, meninos, não?
Thur sorriu, acariciando a mão da garota que estava abraçada à dele com o polegar.
- Talvez nós sejamos idiotas.
Sophia e mica, assim que pararam de se beijar, andaram abraçados na direção dos amigos. Ambos estavam com os rostos vermelhos de choro e vergonha.
- Hey, galera! – Micael falou, chamando os demais. – Acho que vocês deveriam ouvir o que aSop se lembrou sobre o dia... Bem, vocês sabem que dia.
Todos voltaram os olhos atentos em direção a menina, que deu um passo a frente para que os demais da sala não participassem da conversa, mesmo que ouvir o que eles estavam falando fosse algo improvável.
- Quando eu estava entrando no prédio de mica, um ano atrás, - fez uma pequena pausa, encarando os olhos dos amigos. - eu jurei ter visto a Brittany. Ignorei esse fato porque achei que não fazia sentido, mas depois da descoberta sobre essa tal droga... Achei que pudesse ser bem provável que se tratasse da mesma...
Capítulo 25 -
Londres; Highgate High School; quarta-feira; 11:55 da manhã;
- Saiam da frente, saiam da frente!
Todos os alunos que esperavam na fila da cantina, no refeitório do colégio, se viraram para trás para ver a quem pertencia a voz que gritava. mica, ao perceber que fora notado, deu um sorriso singelo e disse, com os ombros encolhidos:
- Mamães na frente. – e segurou Sop pelos ombros, empurrando-a, mesmo contra a vontade da menina, para frente dos colegas.
- O mica é tão indiscreto. – Chay comentou com ar de tédio, da mesa onde normalmente se sentava no almoço. Mel, ao seu lado, balançou os ombros.
- Pode até ser indiscreto, mas ainda assim é fofo. – ela remexeu na bebida a sua frente com o canudinho, olhando para Rod e percebendo o quão alienado o garoto estava. – Rod? – perguntou, de forma que o menino erguesse sua cabeça para lhe mirar os olhos. – Cadê aLuinha?
Já tinha se passado mais de uma semana desde que as aulas tinham voltado na Highgate. Mais de cinco meses que Lua tinha classes naquele colégio e ainda assim se esquecia de que depois do recreio tinha aula de química, e não literatura. Quando Peter, um garoto de sua sala, a avisou que estava levando para estudar no intervalo o livro errado, Luinha apressou seus passos para voltar a seu armário no corredor do terceiro andar.
Depois da semana anterior, que tinha sido tranquila, Thur aparentemente já a estava deixando ter mais liberdade. Brittany nem se deu ao trabalho de olhar no rosto de Luinha depois da volta às aulas.
O fato de Aguiar estar mais relaxado significava que, apesar de seu estômago ter esfriado com o pensamento, Lua estava sozinha naquele largo corredor. Tão sozinha que era capaz de escutar o eco do barulho dos próprios passos; o barulho metálico do cadeado ao abri-lo.
Tensa, Lua puxou a porta do armário, pensando que talvez fosse melhor ter pedido paraThur acompanhá-la. Mas depois riu do próprio pensamento. Não era ela mesma que dizia não ter medo da morte? Então por que, ela se perguntava, seus joelhos estavam tremendo tanto?
Quando esticou seus dedos finos para alcançar o livro azul, uma mão pesada e fria segurou seu ombro. Lua segurou um grito, inclinando devagar sua cabeça para trás no intuito de ver quem era.
Mas para seu imenso alívio, deu de cara com um par de olhos azuis que a encaravam divertidamente.
- Por que essa tensão toda, Marques? – perguntou Todd, um garoto da turma A, a quem tinha sido apresentada na festa de Bennet.
Lua olhou em volta dele, pelo corredor. Nenhum sinal de vida. Apenas ela, ele e a luz que refletia nos cabelos castanhos do menino, vinda das inúmeras janelas de vidro.
- Hm... Você está sozinho? – ela perguntou baixo, depois se sentiu estúpida pela pergunta: era óbvio que ele estava sozinho.
Todd riu.
- Estou, Marques. Calma. Não faço parte de uma gangue que quer te sequestrar ou sei lá o quê.
Lua transformou seu olhar do alarmado para o sério, sem gostar muito daquela brincadeira. Aliás, quem gostaria de uma brincadeira como aquelas quando, realmente, se tinha sido sequestrada por uma gangue?
Ele pareceu perceber o erro, pois deu um pigarro e continuou:
- Desculpe por isso, eu sou muito ruim com piadas.
- É mesmo. – a menina concordou.
Todd se recostou nos escaninhos ao lado de Luinha, admirando-a como se ela fosse alguma jóia rara. Lua corou, só então parando para perceber o bronzeado do menino.
- E então, Luinha – ele começou. – eu estava pensando se você gostaria de comer uma pizza comigo um dia desses.
Ela juntou as sobrancelhas, abrindo sua boca para negar. O que acabou não sendo necessário, uma vez que sentiu alguém lhe abraçar pelos ombros e no segundo seguinte uma voz familiar declarou:
- Ela não está interessada.
Lua virou seus olhos para encarar Thur, que sorria confiante ao seu lado, olhando de forma soberana para o outro cara de ombros largos. Todd esmoreceu-se.
- Ah, vocês... Vocês estão juntos?
Thur continuou a sorrir enquanto Lua absorvia aquelas palavras. Juntos? Ela e o Aguiar? Tudo bem que eles haviam se beijado várias vezes e andavam um com a outro maior parte do tempo, mas ele nunca lhe pedira fidelidade. Nem isso e nem firmara compromisso nenhum com ela. Não estavam ficando, não estavam namorando. Tinham um relacionamento incompletamente completo, sem pé nem cabeça, mas tudo o que ela precisava e pensava até o momento. Só naquele instante, de frente para um pretendente e tendo a proposta do mesmo rejeitada por ela, foi que Luinha começou a pensar a respeito do tipo de relação que tinha com Thur.
Antes que ela pudesse retomar o fio da meada, Todd já tinha se virado de costas e voltado a andar em direção às escadas com o rosto baixo, provavelmente com a falta de graça. Lua sentiu suas bochechas ficarem rubras, virando para Arthur com um súbito sentimento de irritação e dizendo:
- Eu posso muito bem falar por mim mesma.
Ele se desvencilhou dos ombros da garota e olhou-a com as sobrancelhas levantadas.
- Só disse o que você ia dizer. – defendeu-se, mas depois olhou para a face zangada deLuinha por um momento e ponderou. – Ou você iria responder diferente? – levantou uma das sobrancelhas, colocando as duas mãos do lado da cabeça da menina e prendendo-a contra os armários. Lua fixou-se em seus olhos. – Marques, - ele respirou fundo. – sabe a palavra corno? Então, eu não gosto dela.
- Aguiar, sabe a palavra compromisso? Então, a palavra corno não existe sem ela. – Lua rolou os olhos.
Thur riu, estendendo uma das mãos para acarinhar o rosto da garota. Luinha fechou os olhos ao sentir o carinho, deixando que alguns calafrios vindos dos locais onde o rapaz tocava se esgueirassem para resto do corpo.
Arthur aproximou seu rosto do da amada, fazendo com que sua bochecha se encostasse a dela e sussurrando:
- Namora comigo.
Luinha sentiu todos os pêlos do corpo se eriçarem, arregalando os olhos e afastando o rosto de Thur da sua bochecha, para que pudesse lhe encarar os olhos. Seu coração corria em uma maratona fictícia a mil por hora, e sua boca entreaberta deixava claro o estado em que se encontrava: de choque total.
Não que não quisesse ser a namorada de Thur. Ela queria. Muito. Mas ainda havia alguns assuntos com os quais precisava tratar e lidar, como por exemplo, um assassino em série à solta, ou como o fato da última namorada do menino ter terminado cruelmente assassinada.
Depois de ter ouvido vários gemidos reticentes saindo da boca de Luinha, Thur falou com o olhar baixo:
- Eu entendo que você precisa... Aliás, que você deve pensar antes de responder. – ele enfiou uma das mãos que apoiava do lado do pescoço da menina dentro de um dos bolsos da calça, tirando de lá dois papéis finos. – “Romeu e Julieta” está em cartaz na ópera da cidade. A senhora Mabel, nova professora de literatura, sugeriu que assistíssemos para tirar ideias para o trabalho final. – olhou-a intensamente. – Quero sua resposta depois do espetáculo.
Lua fitou o rapaz durante alguns segundos, depois sorriu:
- Tudo bem.
No final da aula, Thur observava Lua sair da escola escondido atrás da escada principal. Queria dar à menina a sensação de liberdade, mas não imaginou que ela pudesse ser tão avoada a ponto de acreditar que ele realmente a tinha deixado algum segundo sozinha. Ele, durante todos os momentos, sempre estava espreitando a sua volta, tensionando-se a cada vez que alguém fazia um movimento suspeito.
Nem pensava o que poderia fazer se visse Brittany se aproximar de Luinha, ou lançar para a menina um olhar mal intencionado. Brittany. Foi pensando nela que Thur estendeu sua mão para apalpar o bolso da frente da blusa. O revólver calibre 38 ainda estava lá, lotado de balas. Balas essas, ele se lembrou, que apenas utilizaria contra o assassino.
Ao ver Lua ir em direção ao estacionamento da escola acompanhada de seu primo, Arthur relaxou. Observou o caminhar lento da garota entendendo enfim os motivos pelos quais Gerald era tão obcecado por ela. É, obcecado. Acabou por descobrir, através de análises policiais, que o menino de aparência doente era apenas... Bem, doente. Ele idealizou em Lua e Ivane sua imagem ideal de uma das personagens do videogame que jogava, por isso as perseguia de cima a baixo. Acreditou que, assim como a rainha da fadas teria feito, Ivane renasceu.
Arthur suspirou, dando um sorriso carinhoso. Gerald, no fim das contas, era apenas só mais um joguete do destino. Não poderia chamá-lo de louco, pois ninguém sabe o que é verdade no mundo em que viviam. Ele era só mais uma vítima do azar. Um bom rapaz, apesar de curioso, que estava no lugar errado na hora totalmente errada...
Thur tirou a mão do relevo que o revólver formava. Desde a volta às aulas andava com ele pra cima e pra baixo no bolso, preparado para usá-lo a qualquer momento, contra quem quer que fosse...
Uma palma ao seu levado o fez despertar de seus pensamentos.
- Até que enfim. – Duan disse, sorrindo largamente. – Estou do seu lado há... – olhou no relógio. – Um minuto, exatamente, e só batendo palmas pra você me notar. Não foi assim que eu o ensinei, Margarida.
Thur afrouxou seus músculos quando viu que se tratava do amigo, então sorriu.
- E aí, Duan, como está indo?
- Hm... Bem. Melhor agora que o treino de futebol vai voltar, não acha?
- Acho que sim... Fiquei sabendo de você e da Missy. – Thur falou, lembrando-se repentinamente. - Por que não me contou?
Duan olhou-o com um sorriso, espreguiçando-se despreocupadamente e dizendo:
- Melhores amigos não precisam necessariamente contar tudo um pro outro, não acha?
Arthur lembrou-se de Lua no exato momento em que viu uma faísca diferente reluzir nos olhos do companheiro, mas nada disse. Também, como poderia?
- Concordo. – ele respondeu. – Mas não acho que a Missy seja uma dessas coisas, er... Secretas.
O loiro chacoalhou os ombros.
- Ela de fato não é. Nós só estamos ficando, nada sério. – observou Thur abaixar a cabeça com um ar de curiosidade. Duan abriu um sorriso torto, felino, e mandou: - Você e a Luinha, por outro lado...
Arthur ergueu os olhos. Se o goleiro mesmo já tinha tocado no assunto, nada mais justo do que Thur continuar:
- Duan... Eu a pedi em namoro. – falou baixo, com medo da reação do amigo.
- Quê? – o loiro levantou as sobrancelhas, surpreso.
- Eu estou... Não, eu sou apaixonado por ela. – enrubesceu-se. – Pensei que você, de todas as outras pessoas, fosse entender.
Duan piscou em choque durante alguns segundos. Thur jurou ter visto um furacão de emoções transparecerem seus olhos verdes: espanto, raiva, rancor, ternura, compaixão e, enfim, a compreensão.
- Desculpe minha expressão – o loiro disse quase cordialmente. – mas você tem que concordar comigo que foi meio de repente. O que eu tenho a dizer sobre isso é que... Eu desejo a você toda felicidade do mundo. Você sabe disso. Se estando com a Lua é a sua forma de se desvencilhar do passado e seguir em frente, saiba que eu vou te apoiar mil por cento nessa ideia. Além do que, minha paixonite por ela já foi superada há muito tempo. – sorriu. – Sabe o porquê de eu, acima de todas as outras pessoas, te entender? – Thur negou. – Porque você é minha única família, Aguiar. Desde que meus pais morreram no acidente de carro, você têm sido o meu único amigo de verdade. Serei eu e você até o fim, parceiro, e não é nenhuma garota que vai mudar isso. Eu apoio o relacionamento de vocês, sei que a Luinha é uma pessoa adorável e que você merece muito.
Thur, no fundo emocionado pelas palavras do rapaz, puxou-o para um rápido abraço entre comparsas. Durante o abraço, Duan sorriu.
- Mas diz aí, - o loiro completou quando se afastaram. – o que foi que ela respondeu?
- Ainda nada. Vou levá-la àquela ópera que a senhora Mabel mencionou. Luinha me dará a resposta no final da obra...
- Ah, é? – Duan alargou o sorriso. – Essa menina está te mudando mesmo. Tudo bem que toda escola vai estar presente, mas nunca imaginei que você estivesse entre eles. Fala sério, você, em uma ópera?
Arthur riu.
- Você também vai?
- Vou sim, Margarida. Para ficar na fila do gargarejo pra você.
Thur sentiu o relevo do revólver se encostar novamente em seu peito, então se lembrou de algo que fez seu tom se voltar completamente para o obscuro:
- A Brittany vai?
Duan pareceu confuso.
- Vai. Vai, sim. Por quê?
Thur trincou os dentes.
- Quero que, enquanto você estiver lá, me ajude a tomar conta de Luinha, para que ela e a Harris não se encontrem sozinhas em momento algum. Acho que a Brittany é mais perigosa do que aparenta ser...
Duan piscou os olhos algumas vezes, ainda em sinal de confusão. Mas como era o seu chapa quem estava pedindo, ele não via problemas:
- Eu faço qualquer coisa.
Capítulo 26 -
Lua prendeu seus cabelos em um largo coque.
Seu rosto e unhas, nunca antes tão bem pintados, só faziam com que o estômago de Luinha gelasse mais quando ela pensava para quem estava se arrumando.
Observou o longo vestido vermelho de chiffon que tinha comprado dois dias antes para a ocasião. O corpete drapeado e bordado com alguns enfeites dava àquela roupa a distinção necessária.
Lua perdurou um colar de prata em volta do pescoço, e assim que terminou todos os ajustes do cabelo, observou-se.
- Perfeita. – Rod disse, fazendo-se notar escorado no batente da porta.
Lua sorriu para o primo, voltando-se para o próprio reflexo para admirar ainda mais o sucesso de sua tentativa cosmética. Ela estava linda. Cílios grandes e pesados escondendo seus olhos brilhosos, bochechas devidamente rosadas, lápis e delineador tão bem passados que davam àquela pintura um ar de profissionalidade. Luinha observou o topete que tinha deixado para fora do coque, enrolado na testa e dando um charme a mais ao penteado.
Tudo em sua perfeita ordem.
- Você acha que o Aguiar vai gostar? – perguntou ao primo, que apenas revirou os olhos com o nervosismo da garota.
Rod encarou-a como se ela fosse tola.
- Não existe uma chance sequer de ele não se sentir o maior felizardo do mundo ao vê-la assim, Luinha. – ele caminhou até se sentar na cama.
- Eu nunca fui a uma ópera. – comentou ansiosa, sentando-se do lado dele. – Como deve ser?
- Pessoas cantando em tons agudos ou graves demais. Uma suposta história dramática contada. Bem, imagino que seja isso. Um drama musical... Literalmente. – sorriu bobo, fazendo a prima gargalhar.
- Eu aposto que vai ser ótimo.
- Tudo bem, podemos apostar um lanche na Starbucks se você quiser. Eu acho que vai ser uma droga. – deu de ombros.
Luinha levantou a mão para apertar a do primo.
- Vai ser uma excelente ópera.
Rodrigo aceitou o cumprimento com um sorriso satisfeito, só então parando para se lembrar do que tinha ido fazer no quarto dela anteriormente.
- Hm... Luinha?
- Oi?
- Você por acaso viu por aí meu celular? Não o vejo desde a escola...
Lua sorriu.
- Você é sempre avoado, Rod. Não, molengo, eu não vi seu celular.
Rodrigo suspirou em derrota, postando-se de pé.
- Ah, droga. Acho que vou ligar pro Chay e ver se por algum motivo eu deixei com ele. – andou até estar fora do quarto, antes recebendo um desejo de “boa sorte” da prima.
Lua caiu deitada em seu colchão, fechando os olhos por um momento para pensar sobre a semana que tivera. Arthur estava mais afastado durante os últimos dias, mas ela sabia que o motivo era porque ele não queria passar a impressão de que estava querendo pressioná-la a aceitar sua proposta.
“Namora comigo”. Essas tinham sido suas palavras exatas. O pedido mais bonito e sincero que Lua acreditava já ter recebido na vida. E ainda da boca do homem por quem ela era tão pavorosamente apaixonada.
Como dizer não a um pedido desses? Ela sabia que era impossível. Seu coração nunca quis tanto alguma coisa do que ter o de Thur junto ao seu. Sua alma e corpo pediam desesperados por ele, e essa era uma súplica a qual Lua pretendia atender. Ser de Thur e ele seu. Namorados.
Quando ouviu duas buzinas do lado de fora da casa, calçou suas sandálias de salto, pegou sua bolsa prateada e pôs-se a caminhar até a porta, com o coração na boca.
Girou a maçaneta e a puxou, encontrando-se com um par de olhos iluminados que pareceram ainda mais escuros ao vê-la.
Thur vestia um smoking preto com uma camisa social da mesa cor por baixo. Elegante, cheiroso, impecável. Tudo o que Luinha podia esperar de seu retrato pessoal da perfeição.
Perfeição.
Sabia muito bem que Thur não era perfeito. Seu rosto não era perfeito, seu corpo. Ele tinha defeitos tão repreensíveis quanto suas qualidades admiráveis. Mas, apesar disso, apesar de tudo, ele ainda continuava sendo seu estereótipo de perfeição.
Como algo tão imperfeito, alguém com as imperfeições tão tatuadas na pele podia se encaixar tão exatamente no que Luinha procurava? Que sentimento era esse que fazia com que as faltas mais graves se tornassem contornáveis aos seus olhos?
Amor? Não. Uma palavra de apenas quatro letras nunca alcançaria a imensidão daquele sentimento.
Arthur ficou boquiaberto durante alguns segundos, sem nenhuma vontade de se corrigir. Lua estava ali, a sua frente, mais bonita do que qualquer outra mulher que ele já tivesse visto. Não era pela maquiagem, nem pelo decote avantajado. E sim por ser, e sempre ter sido, a única mulher capaz de arrancar uivos de felicidade de seu coração. Ela era tudo.
Sua base, sua família, seu anjo da guarda. Finalmente Thur entendeu que, durante todo esse tempo, não era realmente ele a proteger Lua e afastá-la do perigo. E sim a menina, que o afastara de toda a escuridão de seu próprio ser e agora lhe conduzia a um caminho de luz aonde nunca tinha estado. Era ela sua protetora. Aquela que retirava as pedras de seu caminho. A pessoa de quem, sem, a vida seria incompleta.
“Minha protetora”, pensou.
Depois, quando finalmente parou de mirá-la de cima a baixo, perplexo pelo fato de toda aquela beleza interior, e também exterior, ter feito seu sistema entrar em pane, ele conseguiu dizer:
- Oi.
Lua sorriu.
- Você está esmagando as flores. – ela observou, apontando para a mão do rapaz que apertava um buquê como um espremedor de laranjas.
Arthur ruborizou, tentando pegar no arranjo de rosas colombianas mais delicadamente e entregando-a de forma desajeitada.
- Pra você. Eu não sabia se deveria trazer alguma coisa, então... – calou-se, expirando e olhando-a em expectativa.
Lua segurou as rosas vermelhas com carinho, cheirando-as e passando-as levemente no rosto, de olhos fechados. Quando olhou novamente o rapaz parado a sua frente, sorriu emocionada.
- Isso foi... – “perfeito” ela iria dizer. Mas depois de pensar no quanto aquela palavra já tinha sido utilizada e pensada em tão pouco tempo, tentou corrigir-se. – incrível, Thur. Incrível e romântico.
Ele colocou as mãos no bolso, olhando para os lados e tentando esconder de alguma forma o rubro de suas bochechas. Como viu que era inútil, respirou fundo, engoliu a vergonha e olhou-a com seu olhar tipicamente inteligente.
Segurando uma das rosas do buquê, ele disse:
- Cada flor – começou a dizer baixo. – tem um significado diferente. As tulipas, por exemplo, dizem respeito à independência e à prosperidade. Os girassóis, à alegria e dignidade. Já as rosas... São a virtude e o pecado... São as oscilações do amor. – olhou Lua fixamente nos olhos.
- E o que as vermelhas significam? – ela quis saber.
Arthur aproximou-se ainda mais da garota, segurando seu rosto em um toque simples e cortês.
- Paixão. – ele respondeu. – Vívida e intensa.
Lua sentiu os pêlos da nuca se eriçarem, fechando seus olhos devagar ao ver a proximidade com a qual o rosto de Thur estava. Quando sentiu o nariz do rapaz tocar o seu, ouviu um pigarro vindo da sala.
Ambos desviaram seus olhos para uma figura paterna escorada no corrimão da escada, de braços cruzados.
- Boa noite, senhor Marques. – Thur disse em seu melhor tom cavalheiresco.
- Duas horas da manhã – ele disse. – a quero aqui em casa. Nada de baladas, nada e festas e principalmente: nada de sequestros.
Lua segurou uma risada ao ouvir o tio falar dessa forma. Arthur não pareceu perceber, apenas consentiu e a conduziu para o lado de fora da casa, depois que ela colocou as rosas na mesa do telefone.
Andaram de mãos dadas até o Audi, onde Thur abriu a porta para que Luinha entrasse. Assim que ela o fez, contornou o veículo para se sentar no assento do motorista.
Quando estavam dentro do calor e da segurança do carro, Arthur observou Lua mexer nos enfeites da bolsa com uma vontade reprimida.
- Luinha? – chamou.
Logo que a garota virou seu rosto curioso para ele, Thur se inclinou por cima do assento, segurando-a pela nuca e pregando-lhe um beijo intenso e apaixonado. Lua recebeu-o no início com certa surpresa, mas depois se entregou ao momento, fechando os olhos e segurando com força o smoking de Arthur.
Depois de algum tempo naquele carinho ao mesmo tempo meigo e voraz, Thur recolheu seu rosto, olhando-a com um sorriso.
- Bem melhor. - disse. – Odeio ser interrompido.
- Você está lindo hoje, Aguiar. – Lua falou, olhando-o afetuosamente. – Ainda mais com esses lábios roxos.
Thur riu.
- E você... – olhou-a de cima a baixo com a feição desejosa. – Esquece.
Sorriu, ligando o Audi e já começando a seguir com o veículo pela rua. Luinha sentiu-se incomodada.
- Existe coisa pior que quando alguém está pra falar algo que você está louco pra ouvir e esse alguém fala: “Esquece”?
Arthur deu risada.
- Mas é que... – tentou se explicar. – Duvido que você se sentisse confortável com o que eu tenho a dizer.
- Não me chamando de Fiona, a ogra, eu aceito tudo. – ela brincou, fazendo-o gargalhar.
“Não me chamando de Fiona...” ela pensou. Aliás, Luinha concluiu que se fosse chamada de Fiona se sentiria até bastante orgulhosa, uma vez que era uma de suas personagens favoritas. A princesa que, apesar da aparência, era em seu interior a mais bela de todas. E que, através disso, pôde ficar junto de seu amado.
Thur discordou.
- Você não parece uma ogra nem de longe.
- Então complete a frase. Nada disso de “esquece”. – afetou a voz, divertida.
Ele sorriu maliciosamente, depois olhou a garota de soslaio.
- ...E você, Marques – começou, completando a fala que deixara no ar. – está exatamente tudo o que eu vejo nos meus sonhos mais sórdidos.
Lua sentiu uma onda acalorada passar por todo o corpo, segurando involuntariamente as bochechas em brasa com as duas mãos.
- Okay. Talvez eu realmente devesse ter esquecido. – falou sem graça. – Mas obrigada, de qualquer forma.
Ele sorriu.
- Você não precisa agradecer por fazer parte dos meus sonhos.
Thur estacionou o Audi a alguns quarteirões da casa de show onde ocorreria o espetáculo. Várias pessoas vestidas com traje a rigor passavam por eles. Casais, amigos. Muitos deles eram estudantes da Highgate, que estavam ali para tirar idéias para seu trabalho de literatura sobre William Shakespeare.
Arthur estava curioso em saber como alguém teria transformado o mais clássico dos romances em uma ópera. Provavelmente, sem nem que a professora pedisse, ele teria levado Lua até lá.
Saindo do carro de mãos dadas com a menina, Thur cochichou em seu ouvido:
- Brittany vai estar na ópera. – antes que Lua tomasse ar para falar ele completou: - Não precisa se preocupar. Seus amigos não estão aqui, mas o meu está. Duan concordou em me ajudar a tomar conta de você por essa noite, então você está bem segura conosco.
Luinha suspirou, sentindo-se péssima por ter que ficar sob os cuidados de Duan. Logo Duan, que aparentava gostar tanto dela. Logo Duan, melhor amigo de seu namorado.
Antes que tivesse mais tempo para pensar na culpa que sentia, Lua observou o loiro parado a alguns metros das longas escadas que levavam ao imenso portão do prédio antigo. Ele vestia um smoking cinza, olhando para todos num ar cabisbaixo, mas quando seus olhos se encontraram com Thur e Luinha, ele abriu um largo sorriso.
- Ainda bem, margarida. – disse assim que eles se aproximaram. – Achei que tinha se esquecido de mim aqui. – quando viu Luinha, colocou uma dos braços para trás do corpo e, com o outro, conduziu a mão da garota até seus lábios. – Com toda a sua licença Thur, - fitou-a com seu olhar apimentado. – você está maravilhosa hoje, Marques.
O estômago de Lua gelou. Gelou, mas não tanto quanto quando a ópera começou. Os assentos macios, seu lugar entre Thur e Duan, as longas cortinas vermelhas que se abriam e davam lugar para uma senhora rechonchuda, que pelo jeito representaria a ama de Julieta. Quando as luzes do ambiente se apagaram, Luinha teve que segurar um dos braços deArthur para se sentir mais segura: nunca tinha se sentido tão observada em toda a vida.
Algo em sua nuca, algum calafrio, indicava que de longe alguém a observava. Só não sabia que esse alguém era a Morte.
Londres; sexta-feira; 7:25 da noite;
- Esse lugar faz meus pés ficarem gelados. – Disse Chay.
Ele e a namorada estavam de frente para uma enorme mansão salmão, que não só a ele como a todos os cientes do assassinato que acontecera naquele local parecia assustador.
O vento frio do inverno londrino cortava a noite. Chay e Mel, bem agasalhados, estavam rondando pelos arredores da mansão em busca de pistas ou flashbacks. Infelizmente, sem sucesso.
- Tem que ter alguma coisa. – Mel choramingou. – Foi aqui que tudo aconteceu. Foi aqui onde eu fui atropelada. Não é possível que minha mente não vai me proporcionar nem uma santa visãozinha. – bateu na própria cabeça.
Chay passou novamente os olhos pelo ambiente.
- Você não tem medo daqui? – perguntou.
Mel fez que não com a cabeça.
- Sinto calafrios quando estou por perto, às vezes. Mas nada que me intimide. – abraçou o próprio corpo com o frio que sentia. – Sei que coisas horríveis aconteceram dentro e fora dessa casa, mas qualquer coisa, qualquer mínima coisinha que possa me fazer desvendar todo esse mistério já é motivo o bastante para que eu me esqueça de todos os meus receios. Eu preciso lembrar.
- Às vezes eu invejo a sua coragem, minha pequena. – o namorado lhe sorriu.
Mel caminhou tranquilamente até o meio da rua, o mais próximo de onde Chay tinha dito que ela fora atropelada.
Olhou para o lado direito e foi então que teve a visão. A visão mais importante que já tivera.
Ao ver a namorada mudar sua expressão da incerteza para a perplexidade, mudando rapidamente de sua cor usual para um verde musgo, Chay abraçou-a e levou-a para longe da rua. Mel ofegava. Algumas gotas de suor gelado percorriam seu pescoço e rosto.
- O que foi, Melzinha? – ele perguntou em desespero. – O que foi que você viu? Mel virou seus olhos esbugalhados para ele. Sua boca trêmula mal a permitiu falar uma frase inteligível. Mas o que Chay escutou foi o suficiente. Em meio a gaguejos e nuances, ouviu:
- Eu sei quem me atropelou.
Londres; sexta-feira; 7:32 da noite;
Durante a cena do baile onde Romeu e Julieta se conhecem, Arthur observou uma movimentação do outro lado do auditório. Brittany, vestida em um longo vestido azul petróleo, levantou-se com um sorriso satisfeito e pôs-se a andar para uma das saídas.
Quando Thur virou seus olhos alarmados para avisar Duan, percebeu que os olhos de águia do amigo já tinham captado o movimento. Lua parecia entretida o bastante para não notar.
- Quer que eu vá dar uma checada? – Duan sussurrou.
Thur assentiu, e assim o loiro saiu de seu assento e esgueirou-se no meio das pessoas, para caminhar atrás da loira sem atrair suspeitas da mesma.
Arthur sorriu, sentindo-se relaxado pelo fato do amigo estar ali. Pelo fato do amigo poder ajudá-lo a proteger seu tão precioso tesouro. Quando viu o goleiro sair do auditório atrás de Brittany, ficou tranquilo para passar um braço pelos ombros de Luinha, que pareceu aprovar o carinho.
A alguns metros dali, o segurança debruçava-se sobre o painel de vídeo desinteressadamente, dando grandes goladas em seu café. Sentia-se prostrado em mais um dia de sua rotina cansativa, onde era contratado para assistir às filmagens da câmera de segurança que nunca mostravam nada de diferente...
Como ele estava enganado. Tremendamente enganado.
Assim que seus olhos vacilaram de sono, todas as câmeras foram simultaneamente desligadas...
Lua deu um salto na cadeira, despertando o olhar desagradável de algumas pessoas à volta.
- O que foi? – Thur perguntou preocupado.
Luinha abriu e bolsa e pegou seu celular.
- Eu deixei no vibracal. – sussurrou. – Eu sempre assusto com isso.
Ele riu baixo enquanto observava a garota apertar algumas teclas. Assim que Lua leu o recado, seu rosto ficou completamente desolado.
- O que houve?
- Tio John está passando mal. Rod não sabe o que fazer, portanto não viu saída melhor que vir me buscar na ópera. – olhou Thur com pesar. – Eu sinto muito, mas acho que realmente vou ter que ir.
- Eu entendo. – Arthur concordou. Agora que sabia o que era uma família, saber o que era ficar preocupado com ela fazia parte do pacote. – Pode deixar que eu te levo em casa.
- De forma alguma. – Luinha falou com determinação. – Thur, pelo menos um de nós tem que assistir à obra. Além do mais, detestaria que você gastasse o dinheiro do seu ingresso comigo. Já não basta o meu... – Lua comprimiu os lábios. – Rod avisou que já está na porta, só me esperando. Não tem erro.
Arthur olhou-a desconfiado por alguns minutos, depois pareceu dar de ombros apesar de sua face ainda apresentar relutância.
- Me ligue assim que chegar ao carro.
Luinha concordou, dando um selinho rápido no amado e se apressando para se desvencilhar da fila de cadeiras. Caminhou até o lado de fora do auditório, e quando se debruçou em um dos muros do segundo andar para ver onde Rod tinha estacionado, arrependeu-se amargamente de ter saído de casa naquela noite.
Um barulho ensurdecedor cortou seu ouvido. Como um foguete soltado bem de perto ou... O tiro de uma arma. Ficou tão estática com sua surdez momentânea que custou a perceber que, não apenas a alça de seu vestido como seu ombro, estavam rasgados e o sangue corria quente por sua pele. Os fios de seu cabelo despencaram de um lado da cabeça, deixando claro que o impacto não fora imaginário.
Todos os nervos de Lua se petrificaram e então ela virou para trás estarrecida, fitando assustada os olhos divertidos do assassino.
Por favor, poste mais!! Esta um maximo sua web! Ass. Fã assídua do seu blog! Beeijo
ResponderExcluir